Watchmen
WATCHMEN – QUANDO OS DEUSES VESTEM MÁSCARAS
Análise de HQ – por Dart
"Super-heróis são uma fantasia infantil. Watchmen é o pesadelo adulto dessa mesma fantasia. Aqui, as máscaras não escondem identidade — escondem o abismo." – Dart
Alan Moore e Dave Gibbons criaram em Watchmen (1986) algo que transcende os quadrinhos. É uma obra que destrói, reconstrói e desmascara o próprio conceito do que é ser um herói. E, no processo, ergue um espelho desconfortável para o leitor: e se não existissem heróis? E se tudo que acreditamos sobre justiça fosse apenas mais uma forma de controle?
1 ▪ UMA HISTÓRIA QUE COMEÇA COM UM CORPO NO CHÃO
A narrativa se inicia com a morte do Comediante — um herói do passado, brutal, cínico e, ao mesmo tempo, assustadoramente lúcido. A partir desse evento, a trama se desenrola como um quebra-cabeça noir: alguém está eliminando os antigos vigilantes mascarados.
Mas isso é só a superfície. Watchmen não é sobre descobrir quem matou quem. É sobre descobrir o que acontece quando pessoas falhas, quebradas e perigosamente humanas vestem capas e decidem fazer justiça por conta própria.
2 ▪ SUPER-HERÓIS COMO ARQUÉTIPOS DE RUÍNA
Cada personagem é uma alegoria:
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Rorschach é o fanatismo moralista que reduz o mundo a preto e branco.
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Dr. Manhattan é o cientificismo frio, a divindade apática que perdeu o tato com a humanidade.
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Ozymandias é o iluminado messiânico que quer salvar o mundo custe o que custar (literalmente).
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Silk Spectre e Nite Owl são resquícios nostálgicos de um idealismo extinto.
Moore destrincha esses arquétipos com a habilidade de um cirurgião filosófico. Aqui, o que importa não é a luta entre o bem e o mal — é a revelação de que tal dicotomia talvez nunca tenha existido.
3 ▪ "ENTRE O NIHILISMO E A CONSCIÊNCIA POLÍTICA"
Watchmen é político até o osso. Guerra fria, paranoia nuclear, controle governamental, mídia manipulativa… tudo pulsa nas entrelinhas. Mas o que Moore faz melhor do que qualquer outro é mostrar que mesmo os que querem salvar o mundo estão contaminados.
Aqui eu não me furto de dizer: o final de Watchmen é uma das maiores porradas morais já escritas em qualquer mídia. Um plano para garantir a paz mundial baseado em uma mentira monstruosa. Uma farsa tão bem montada que questioná-la pode colocar o mundo em ruínas.
E aí vem a pergunta: vale a pena saber a verdade?
4 ▪ O RELÓGIO QUE MARCA A MEIA-NOITE
O simbolismo do tempo em Watchmen é brilhante. A contagem regressiva para a meia-noite no Relógio do Juízo Final é o tempo da civilização se esvaindo. E enquanto isso, Dr. Manhattan vive todas as linhas temporais simultaneamente — preso numa eternidade sem livre arbítrio.
Aqui, Moore nos lembra: quanto mais poder você tem, menos você entende o valor do tempo humano.
5 ▪ UM LEGADO AMARGO E NECESSÁRIO
Watchmen não é confortável. Nem otimista. Mas é essencial. Porque nos força a parar de procurar salvadores e começar a entender nossos próprios impulsos destrutivos.
O sangue no smiley, o diário de Rorschach, o desabafo de Manhattan, a arquitetura visual de Gibbons — tudo compõe um tratado filosófico sobre poder, verdade e moralidade.
E no fim, a pergunta não é "quem vigia os vigilantes?". A pergunta é: e se eles já estiverem entre nós — e não forem nada do que esperávamos?
6 ▪ ÚLTIMO QUADRO
Fecho esse quadrinho com uma frase que Alan Moore talvez tenha sussurrado nas entrelinhas: o mundo não precisa de heróis. Precisa de adultos conscientes do caos que causam.
E se você terminou essa leitura acreditando um pouco menos em mitos e um pouco mais em si mesmo — bem-vindo ao verdadeiro heroísmo.
Porque às vezes, o maior poder é aceitar que ninguém virá nos salvar.