V de Vingança
V DE VINGANÇA – O MÁRTIR MASCARADO E O MITO DO SISTEMA
Análise de HQ – por Dart
"Não se trata de um homem. Se trata de uma ideia. E ideias são à prova de balas. Só que também são à prova de conforto." – Dart
Quando Alan Moore e David Lloyd criaram V de Vingança nos anos 80, não estavam escrevendo um manifesto — estavam entregando uma bomba sem pavio acesa na porta do leitor. Uma fábula distópica brutal sobre controle estatal, identidade, trauma e revolução. E o pior (ou melhor) de tudo: nada aqui é simples.
1 ▪ INGLATERRA COMO UM LABORATÓRIO TOTALITÁRIO
A história se passa numa versão alternativa da Inglaterra pós-apocalíptica, governada por um regime fascista chamado Fato, que monitora, pune e domestica todos os cidadãos. Tudo é cinza, limpo, estéril — e absolutamente opressor.
É nesse cenário que surge V, um anarquista mascarado que promove atentados, se infiltra nas instituições do poder e executa seu plano de vingança e libertação com teatralidade quase poética.
Mas V não quer apenas derrubar o governo. Ele quer derrubar a apatia. E isso é muito mais perigoso.
2 ▪ O ANARQUISTA COMO ARQUÉTIPO DA DÚVIDA
Eu aqui não romantizo o V, de forma alguma. Ele é perigoso. Implacável. Um produto de experimentos cruéis feitos pelo próprio sistema que ele combate.
Mas sua figura representa algo maior que um homem: a pergunta que ninguém quer fazer.
"Quem somos nós sem as correntes que nos dizem quem devemos ser?"
A máscara de Guy Fawkes não é um símbolo de caos: é uma tela em branco onde o leitor projeta sua insatisfação.
3 ▪ A ORIGEM NÃO IMPORTA — O DESTINO, SIM
Ao contrário da maioria das narrativas de heróis, V de Vingança não revela quem é V. Não há nome, rosto, passado detalhado. Porque sua identidade é irrelevante. Importa apenas a causa e o impacto.
Isso desmonta nossa necessidade moderna por personalização. O V não quer seguidores — quer pensadores livres.
E aqui eu bato palmas: não há nada mais subversivo do que ensinar alguém a pensar por conta própria.
4 ▪ EVEY, O RENASCIMENTO ATRAVÉS DO TRAUMA
A jornada de Evey Hammond, de vítima passiva a herdeira do manto de V, é uma das mais complexas da história dos quadrinhos. V a "liberta" através do sofrimento — e aqui, Eu faço uma pausa.
Porque sim, essa libertação beira a tortura. E isso nos força a questionar os meios. Mas também nos faz entender que a liberdade real não é confortável. É crua. Exige sacrifício. E, às vezes, exige que morra a versão que fomos para que algo novo nasça, ou seja, aqui a tortura é uma metáfora não é pra ser levada ao pé da letra, mas é para ser compreendido que quando à ´privações e cerceamentos é que passamos a valorizar a nossa liberdade.
5 ▪ O GOVERNO COMO ENTIDADE SEM ROSTO
O Estado em V de Vingança é retratado como um sistema paranoico e tecnológico, dividido em órgãos como "Olho", "Orelha", "Boca", "Mão"... Um corpo distorcido, onde não há espaço para alma.
Moore nos mostra que regimes totalitários não começam com tanques. Começam com silêncio. Com concessões. Com normalização do absurdo.
E aí, quando você percebe, já não sabe mais se é cidadão ou prisioneiro.
6 ▪ EXPLOSÕES POÉTICAS E LIBERDADE INTERNA
A cena do Parlamento explodindo ao som da 5ª Sinfonia de Beethoven é icônica, sim. Mas a verdadeira explosão ocorre dentro do leitor.
É a explosão da dúvida. Da revolta contida. Da percepção de que, muitas vezes, o sistema ao qual juramos lealdade não nos protege — nos molda para a submissão.
7 ▪ ÚLTIMA PALAVRA? SEMPRE SUA
Eu fecho essa leitura com um sorrisinho irônico e um aviso:
"Não leiam V de Vingança para encontrar um herói. Leiam para encontrar uma escolha."
Porque se há uma moral aqui, é a de que ninguém virá nos libertar. Não de verdade.
Somos nós, com nossas máscaras — e nossas verdades escondidas sob elas — que decidiremos se o futuro será uma prisão... ou um poema.
E se for um poema, que rime com liberdade.