UBIK

24/06/2025

UBIK – A REALIDADE NÃO ESTÁ EM PROMOÇÃO

Análise Literária – por Dart

"Se a realidade vier com data de validade, que pelo menos tenha manual de instrução. Ubik é o aviso de que a vida pode ser um bug do sistema." – Dart

Philip K. Dick não escrevia livros. Ele lançava granadas metafísicas. E Ubik (1969) talvez seja a mais barulhenta delas. Esqueça aquela ideia limpinha de ficção científica com naves brilhando no espaço. Aqui, o espaço é a sua mente — e ela está com interferência.

1 ▪ O ENREDO, OU PELO MENOS A TENTATIVA DE RESUMO

Ubik se passa em um futuro próximo onde a tecnologia permite manter pessoas mortas em "meia-vida" — uma espécie de animação suspensa consciente, onde seus cérebros ainda podem se comunicar com os vivos.

A história gira em torno de Joe Chip, um técnico em sistemas de segurança psíquica, que trabalha para uma empresa que combate telepatas e precognitivos. Mas quando uma missão vai terrivelmente errada, a realidade começa a desmoronar — literalmente. Objetos se tornam obsoletos, pessoas desaparecem e o tempo parece regredir. Tudo colapsa em direção ao absurdo.

E no centro de tudo está a pergunta: "O que é real?"

2 ▪ O UBÍQUO UBÍK

O tal "Ubik" do título é um produto misterioso, onipresente, que aparece em várias formas — um spray, uma substância, uma marca — e parece ser a única coisa capaz de estabilizar a realidade decadente em que os personagens estão presos.

Mas Ubik não é só uma ferramenta narrativa. É um símbolo. De Deus, talvez. Ou da consciência. Ou da ilusão reconfortante. O próprio livro brinca com isso, abrindo cada capítulo com um novo comercial do produto, como se vendesse esperança engarrafada.

E aqui está a provocação de Dick: até o sentido que você atribui às coisas pode ser uma mercadoria com embalagem diferente.

3 ▪ "LENDO COM UM OLHO NO LIVRO E OUTRO NA REALIDADE"

Você já teve a sensação de que algo está… estranho? Como se o tempo estivesse fora do lugar? Como se o mundo estivesse travado em uma atualização malfeita? Ubik é o livro que dá forma literária a esse desconforto.

Ler Dick é como passar por uma crise existencial embalada em celofane pulp sci-fi. O cara antecipa discussões sobre IA, realidade simulada, consciência quântica e até a morte como um estado de rede.

E o mais assustador: nada soa forçado. Tudo é perturbadoramente plausível.

4 ▪ REALIDADE COMO INTERFACE QUE BUGA

Em Ubik, o tempo não é linear. As pessoas talvez estejam mortas. O mundo pode ser um sonho coletivo. Ou uma prisão de software. Ou um pesadelo ético. Nada é confiável — nem mesmo o narrador.

O livro antecipa com elegância o que hoje chamamos de "crise de realidade". Fake news? Percepção fragmentada? Pós-verdade? Dick já estava lá nos anos 60.

E o que ele diz? Que talvez a única coisa real seja aquilo que resiste ao colapso do mundo ao nosso redor. Amor, consciência, ou talvez só o instinto de continuar.

5 ▪ ÚLTIMO SPRAY DE UBÍK

No final, Ubik não te dá respostas. Te dá um espelho quebrado. Um reflexo instável. E um aviso: se você precisa de um manual de instrução pra viver, talvez esteja no universo errado.

Mas, até lá, um conselho: se encontrar um spray chamado Ubik, use com moderação.

Pode ser só desodorante.

Ou Deus em aerossol.

E com Philip K. Dick, a diferença é só questão de perspectiva.