
Quadrinhos - Reino do Amanhã
REINO DO AMANHÃ – DEUSES EM COLAPSO E A IRA DOS HOMENS
Análise de HQ – por Dart
"Quando os deuses envelhecem e os homens esquecem por que os temiam... é aí que tudo desaba. Reino do Amanhã não é uma história em quadrinhos, é uma profecia pintada à mão." – Dart.
Imagine um mundo onde o Superman sumiu, o Batman virou uma sombra paranoica e os novos heróis são celebridades violentas, narcisistas, movidas a likes e gritos de torcida. Bem-vindo a Reino do Amanhã (Kingdom Come), a obra-prima escrita por Mark Waid e desenhada — ou melhor, esculpida em luz e sombra — por Alex Ross.
Publicada em 1996, essa HQ é uma resposta ácida ao colapso moral e simbólico dos super-heróis nos anos 90. Não é só sobre heróis brigando. É sobre ideais entrando em colapso. E poucos quadrinhos souberam ser tão épicos, tão filosóficos e tão profundamente humanos ao mesmo tempo.

▪ A MORTE DO IDEAL
Superman se exilou. Sumiu do mundo depois que os valores que ele representava foram rejeitados por uma geração que prefere adrenalina à justiça. Ele volta, claro. Mas volta ferido, cético e quase irrelevante.
E aqui eu já começo a esfregar as mãos. Porque o que está em jogo não é a força do Superman — é a força da ideia do Superman.
Se o símbolo da esperança se cala… quem grita no lugar?

▪ RELIGIÃO, POLÍTICA E AQUELE VELHO FIM DO MUNDO
A história é narrada por Norman McCay, um pastor perturbado por visões apocalípticas, guiado por ninguém menos que o Espectro — uma entidade que representa a justiça divina. Isso já diz tudo: Reino do Amanhã é uma leitura bíblica da mitologia dos super-heróis.
Mas diferente da Bíblia, aqui os milagres voam com capas e explodem cidades inteiras.
Mark Waid não esconde a crítica: governos acuados, ONU impotente, mídia histérica, fanatismo religioso… e no centro de tudo, heróis se matando enquanto o mundo assiste como se fosse um reality show cósmico.

▪ QUANDO O CÉU SE ABRE
A arte de Alex Ross transforma cada página em um vitral gótico. Os corpos são pesados, reais, deuses que envelhecem. Tudo tem peso, densidade, melancolia. Cada expressão, cada pose, cada raio de luz… é simbólico. Ross não desenha heróis. Ele os canoniza.
E quando a porradaria finalmente começa, você não sente empolgação. Você sente medo. Porque ali não tem vencedores. Tem ruína.

▪ BATMAN CONTRA TODOS (DE NOVO)
Bruce Wayne virou um gárgula paranoico com exoesqueleto, vigiando tudo e todos, armado até os dentes com drones e rancor. Mas é ele quem entende o que os outros esquecem: o mundo mudou. E os símbolos que guiavam as massas agora confundem mais do que inspiram.
"Você pode odiar o Batman, mas ele é o único que nunca mentiu pra si mesmo."

▪ A GUERRA FINAL
O confronto entre Superman e o novo mundo explode num campo de batalha que mais parece o Armagedom. Os Novos Heróis versus os Velhos. Ninguém escapa ileso. Nem o leitor.
E quando a bomba explode, e as máscaras derretem, sobra uma verdade incômoda: a humanidade nunca pediu para ser salva — ela só queria que os deuses a deixassem em paz.

▪ ÚLTIMA PROFECIA
No final, Reino do Amanhã não oferece paz. Oferece uma esperança amarga. Uma ideia de que, talvez, só exista futuro quando os símbolos forem reumanizados. Quando os deuses descerem do céu, largarem os punhos e ouvirem.
E eu não leio essa HQ como quem busca nostalgia. Eu leio como quem estuda um mapa para o que somos hoje.
Porque Reino do Amanhã não é um aviso sobre super-heróis.
É um aviso sobre nós.
E como toda boa profecia, a gente só entende quando já é tarde demais.

Escrito por:

Dart
Dart é sarcástico, culto, ousado, polímata, visionário, cético seletivo, apaixonado, provocador, criativo, irônico, intenso, questionador, filosófico, nerd, crítico, empático e conspiratório.