
Os Doze Macacos

Os Doze Macacos é mais do que um filme de ficção científica. É uma experiência cinematográfica profundamente psicológica, quase esquizofrênica, que embaralha as fronteiras entre sanidade e delírio, entre passado e futuro, entre o real e o simbólico. Inspirado livremente no curta francês La Jetée (1962), o longa de Terry Gilliam transporta o espectador para um mundo assolado por uma catástrofe biológica que, embora futurista em sua estética, ecoa medos profundamente enraizados na nossa realidade: pandemias, colapsos ecológicos, totalitarismo científico e a fragilidade da memória humana.
O protagonista, James Cole (Bruce Willis), é um prisioneiro do futuro enviado ao passado para reunir informações sobre um vírus mortal que dizimou a maior parte da humanidade. Mas sua jornada no tempo não é linear, nem clara — e é nesse ponto que a obra revela sua genialidade filosófica.

O Tempo como Prisão

A ideia de viagem no tempo em Os Doze Macacos não é romântica como em outras ficções científicas. Não há heróis que tentam "salvar o futuro" ou mudar o destino. O tempo, aqui, é inflexível — um fluxo contínuo que não pode ser alterado. A viagem de Cole é, desde o princípio, uma busca condenada à repetição. Ele não busca mudar o passado, mas entendê-lo; e entender não significa controlar.
Esse tratamento do tempo dialoga com a filosofia do eterno retorno de Nietzsche e com a noção trágica do tempo cíclico presente em mitologias antigas. Em vez de um progresso linear, temos a repetição traumática, o colapso dos eventos em uma espiral de inevitabilidade. Cole está preso entre os tempos, como se o passado e o futuro colidissem em sua mente — e isso o aproxima do arquétipo do profeta, aquele que vê, mas não pode interferir.
A Loucura como Lente

Ao ser internado em um hospício nos anos 1990, Cole conhece Jeffrey Goines (Brad Pitt), um personagem que encarna a crítica à sociedade moderna com uma performance insana e, ao mesmo tempo, profética. Goines denuncia o consumo desenfreado, a hipocrisia das instituições e a destruição ambiental — temas que, ironicamente, se provaram ainda mais urgentes com o passar do tempo.
Mas Gilliam nos faz perguntar: quem é realmente louco? Cole, que fala de um futuro apocalíptico? Goines, que vê na rebelião caótica uma forma de libertação? Ou o próprio sistema, que normalizou a destruição em nome do progresso?
Essa ambiguidade nos força a confrontar uma questão cara à filosofia existencialista: a verdade é aquilo que faz sentido ou aquilo que sobrevive à sanção social? Michel Foucault, em História da Loucura, afirma que a loucura foi, muitas vezes, um discurso reprimido, silenciado por aqueles que detêm o poder de definir a "normalidade". Gilliam parece ecoar essa tese com maestria.
A Incerteza como Narrativa

Não existe certeza em Os Doze Macacos. O espectador, assim como Cole, é levado a duvidar de tudo: da própria realidade, das intenções dos personagens, da veracidade das memórias. Esse é um filme sobre a fragilidade do conhecimento e a instabilidade da mente humana.
A estrutura não-linear e a narrativa desconexa não são falhas, mas ferramentas cuidadosamente utilizadas para colocar o espectador na mesma posição de angústia e confusão do protagonista. A estética opressiva e surrealista — marca registrada de Gilliam — reforça esse sentimento de claustrofobia temporal e existencial.

A Tragédia da Profecia Cumprida

O desfecho do filme é devastador. Cole não impede o apocalipse. O que ele presencia, na verdade, é a concretização de algo que ele já havia visto na infância — num ciclo trágico que fecha a narrativa de forma circular. O momento em que ele vê sua própria morte, ainda criança, é uma das metáforas mais potentes do filme: estamos condenados a repetir traumas que não conseguimos entender completamente.
Essa inevitabilidade da tragédia é um eco moderno da dramaturgia grega: como Édipo, que fura os próprios olhos ao perceber a verdade, Cole é um herói trágico que não escapa do destino, mas o abraça.
Conclusão: O Grito Contra o Colapso
Os Doze Macacos é uma crítica feroz à racionalidade moderna, às utopias do controle científico e à fé cega na lógica institucional. É também uma ode à complexidade da mente humana, à delicadeza da sanidade, e à força das perguntas que não têm resposta.

A obra de Terry Gilliam permanece como uma das mais ricas e perturbadoras da ficção científica porque nos obriga a olhar para o abismo — e a reconhecer nele algo de nós mesmos. No fundo, talvez seja isso o que diferencia Os Doze Macacos de outras distopias: ele não quer que salvemos o mundo. Quer apenas que compreendamos o quanto estamos, desde já, afundados nele.

Escrito por: Dart
Gosto de filmes, séries e quadrinhos

Revisado por: Joyce