Identidade (2003)

04/05/2025

Identidade é um filme que joga com as expectativas do público desde os primeiros minutos. Com um elenco de personagens aparentemente desconexos — um ex-policial, uma prostituta, um casal em crise, um motorista de limusine, um detento e outros — presos em um motel durante uma tempestade brutal, a narrativa se desenvolve como um mistério de assassinato à moda antiga. Mas, conforme os personagens vão morrendo um a um, o espectador percebe que nada é o que parece ser.

É nesse ponto que o filme revela sua verdadeira natureza: uma metáfora visual para o transtorno dissociativo de identidade (anteriormente chamado de transtorno de múltiplas personalidades). O motel, com suas portas numeradas e hóspedes variados, não é um lugar físico. É a mente de um único homem — Malcolm Rivers — e os assassinatos representam um julgamento interno entre suas diversas personalidades.


A Estrutura Narrativa: A Mente como Campo de Batalha

A genialidade do roteiro reside na maneira como ele apresenta duas linhas narrativas paralelas: a dos assassinatos no motel e a de um julgamento psiquiátrico para determinar se Malcolm Rivers deve ser executado por crimes cometidos. A conexão entre as duas histórias só se revela no final, mas os indícios estão espalhados o tempo todo.

Esse truque narrativo é mais do que um artifício de roteiro. Ele reforça a ideia de que tudo o que vemos na trama principal é uma projeção interna — uma batalha entre as personalidades de Malcolm para decidir qual delas deve sobreviver. A "tempestade" não é climática: é o colapso mental de um homem à beira da extinção psíquica.


A Psicologia do Transtorno Dissociativo: Fragmentos de Si Mesmo

Malcolm Rivers é uma representação cinematográfica do transtorno dissociativo de identidade. Este transtorno é muitas vezes associado a traumas extremos — especialmente abusos na infância — que fazem com que a mente crie compartimentos separados para lidar com o sofrimento. Cada personalidade fragmentada desenvolve traços próprios, memórias distintas e até comportamentos incompatíveis com as outras.

No filme, cada personagem no motel representa uma dessas personalidades. O ex-policial Ed Dakota simboliza a tentativa de justiça e equilíbrio; a prostituta Paris é a busca por redenção; o assassino Rhodes representa a violência pura e instintiva. O garoto Timmy, silencioso e aparentemente inocente, acaba sendo a personalidade mais obscura — aquela que orquestra os assassinatos e simboliza o trauma primordial.

O objetivo do "julgamento" interno de Malcolm é eliminar as personalidades destrutivas e preservar aquelas capazes de viver em sociedade. É uma metáfora brutal, porém eficaz, para os processos de reintegração ou terapia na psiquiatria.


Simbolismo e Existencialismo: Quem Sou Eu, Se Não Uma Soma de Fragmentos?

A questão central de Identidade é a identidade em si. O filme provoca uma reflexão angustiante: nós somos um só, ou somos a soma das máscaras que vestimos para sobreviver?. Em certo nível, todos temos "eus" fragmentados: o profissional, o emocional, o social, o impulsivo, o racional. A diferença é que, na mente de Malcolm, essas vozes ganharam vida própria.

O conceito remete diretamente à filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre e à psicanálise de Freud e Jung. A "persona", conceito junguiano, é o papel que desempenhamos socialmente — e muitas vezes ela entra em conflito com o nosso "self" real ou inconsciente. Identidade transforma essa metáfora em um palco de horror e redenção.


A Reviravolta Final: O Mal Sobreviveu?

O final do filme é um dos mais memoráveis do gênero. Após a eliminação de todas as personalidades destrutivas, acredita-se que Malcolm agora está "curado" — a personalidade de Paris sobrevive, e ela representa esperança e renascimento. Mas, em um último golpe, descobrimos que Timmy, o garoto silencioso e cruel, estava apenas escondido.

A frase final — "Quem é você?" — soa como um eco existencial. A mente de Malcolm não é um lugar seguro. A repressão de um trauma não é o mesmo que superá-lo. O mal pode ser suprimido, mas não destruído sem confrontá-lo de frente. O filme sugere que o verdadeiro julgamento moral e psíquico é interminável.


Conclusão: O Horror é Interno

Identidade é um thriller psicológico que transcende o gênero. Sua maestria está em usar a linguagem clássica do suspense — assassinatos, relâmpagos, segredos — para falar sobre algo muito mais profundo: a fragilidade da mente humana e a luta pela coesão da identidade.

No fim, Identidade nos lembra que os maiores horrores não vêm de monstros externos, mas das feridas que escondemos em nossa psique. E que, talvez, todos nós sejamos um motel isolado, com portas que escondem rostos que não reconhecemos mais.

Escrito por: Dart

Gosto de séries, filmes e quadrinhos

Revisado por: Joyce

Apaixonada por livros, música e games