From Hell
FROM HELL – A ARQUITETURA DO MAL E O MAPA DA LOUCURA HUMANA
Análise de HQ – por Dart
"Jack, o Estripador não é um homem. É um sintoma. Um reflexo brutal da engrenagem invisível que move a história. E quando você percebe isso, não consegue mais dormir." – Dart
Quando Alan Moore decidiu recontar os assassinatos de Whitechapel através de From Hell (com arte expressionista de Eddie Campbell), ele não estava interessado em mistério. Ele estava interessado em autópsia histórica. Na dissecação fria, suja e detalhada de um tempo, um lugar e uma mentalidade. E o que surgiu das entranhas dessa história é uma das obras mais perturbadoras e densas já publicadas nos quadrinhos.
1 ▪ NÃO É SOBRE QUEM FOI JACK — É SOBRE POR QUE JACK EXISTIU
Diferente de outros relatos sobre o Estripador, From Hell já apresenta sua teoria logo de cara: o assassino é Sir William Gull, médico da realeza, que comete os crimes como parte de um ritual esotérico, simbólico e político.
Mas Moore vai além da explicação conspiratória. Ele usa essa história como lente para falar de, poder real não-eleito, desigualdade social e a loucura como linguagem da elite (política ou não).
Para mim, isso é ouro puro: a ideia de que os crimes são sintomas de um império doente, de um sistema que mata para se manter funcional.
2 ▪ A LONDRES QUE PULSA COMO UM CORPO INFECTADO
A ambientação de From Hell é quase insuportável de tão imersiva. A Londres vitoriana é retratada como um organismo decadente: úmida, suja, abafada, carregada de medo e desigualdade.
A arte de Campbell, propositalmente caótica, em preto e branco, nos joga numa espiral desconfortável. Os rostos são distorcidos, os becos claustrofóbicos, e as mortes… viscerais.
Eu destaco isso aqui: não é um horror fantástico. É o horror real da civilização "evoluída" encobrindo suas entranhas com casaca e cartola.
3 ▪ MAÇONARIA, ARQUETIPOS E A GEOMETRIA DO PODER
Moore entrelaça a narrativa com elementos do ocultismo e da arquitetura sagrada. Os assassinatos não são aleatórios — são mapeados sobre Londres como um ritual geométrico, cada local escolhido com propósito simbólico.
Isso transforma From Hell numa aula sobre como o espaço urbano também é instrumento de dominação.
Eu vibro aqui com o entrelaçamento de história, esoterismo, política e geometria: "Nada em uma cidade é acidental quando os de cima sabem que o concreto molda o pensamento."
4 ▪ GULL, A VOZ DA LOUCURA LÚCIDA
William Gull, o assassino, não é um monstro irracional. Ele é um gênio frio, quase profético, que acredita estar "elevando" a sociedade através do sacrifício.
Ele vê visões, fala com entidades, interpreta símbolos — e Moore nos força a vê-lo como o produto perfeito da aliança entre medicina, poder e ideologia.
O mais assustador? Ele acredita piamente estar fazendo o certo. E digo mais: "Os piores horrores da história foram sempre assinados com convicção."
5 ▪ A VERDADE ESTÁ NAS NOTAS DE RODAPÉ
From Hell tem um apêndice de mais de 40 páginas onde Moore explica cada referência, decisão criativa e divergência histórica.
Isso transforma a obra numa verdadeira tese gráfica — um cruzamento entre arte sequencial e historiografia especulativa.
E pra mim, esse nível de obsessão é sinônimo de grandeza: "Se a história é um cadáver, Moore é o legista definitivo."
6 ▪ ÚLTIMO CORTE
Eu fecho From Hell com a sensação de que não sai ileso. Porque essa HQ não oferece alívio. Não tem catarse. Tem apenas o lembrete brutal de que a civilização que chamamos de moderna nasceu sobre sangue, silêncio e segredos.
E que talvez, o verdadeiro Estripador nunca tenha sido preso… porque ele ainda vive nas estruturas que governam nossa vida.
Leia From Hell. Mas não espere dormir bem depois.