
Contato
ENREDO DE UM CHAMADO ESTELAR
Análise do filme "Contato" (1997), por Dart
"Se recebêssemos uma mensagem das estrelas... quem mereceria respondê-la? Um cientista? Um padre? Um político? Ou uma criança que olha para o céu desde sempre e nunca parou de perguntar 'tem alguém aí?'" – Dart

Baseado no livro homônimo de Carl Sagan, Contato (1997) é um daqueles filmes que não te responde nada — e ainda assim muda tudo dentro de você. Dirigido por Robert Zemeckis, o longa é uma obra-prima de ficção científica suave, mas carregada de impacto filosófico, espiritual e humano. O que começa como uma busca por sinais de vida inteligente se transforma numa meditação profunda sobre fé, razão, perda e propósito.

A protagonista é Ellie Arroway (Jodie Foster), uma cientista obstinada, órfã desde jovem e movida por uma curiosidade insaciável que nasceu com o rádio de ondas curtas que ela usava para tentar ouvir alguém... qualquer um... no universo. A busca de Ellie por vida extraterrestre não é motivada por fama ou glória, mas por um desejo genuíno de conexão. E talvez, por uma tentativa de reencontrar algo perdido com a morte precoce do pai, sua única figura de amor e estabilidade.
▪ A BUSCA SOLITÁRIA
Ellie se destaca no programa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), escutando pacientemente os ruídos do cosmos enquanto enfrenta o desprezo e a arrogância da comunidade científica tradicional, que considera seu trabalho uma perda de tempo. Ela é teimosa, racional, mas também profundamente sensível. Ao longo da carreira, sua convicção nunca vacila, mesmo quando todos ao seu redor já desistiram.
Até que, numa noite comum no Novo México, algo extraordinário acontece: um sinal. Um padrão de pulsos vindos da estrela Vega. Não há dúvidas: é artificial. E está organizado. A humanidade não está mais sozinha.

▪ O SINAL DE VEGA
O sinal traz consigo três camadas de informação:
Um padrão matemático de números primos — uma assinatura de inteligência.
Imagens de arquivo de TV da Terra — o primeiro sinal forte transmitido para o espaço, em 1936, contendo um discurso de Hitler na abertura das Olimpíadas de Berlim (irônico, controverso, mas historicamente coerente).
Um projeto: esquemas detalhados para a construção de uma máquina gigantesca. Aparentemente, um meio de transporte para um único passageiro.
A descoberta desencadeia uma corrida global: governos, empresas, cientistas e religiões entram em conflito sobre o que fazer. Ellie, apesar de ter feito a descoberta, é marginalizada — afinal, a política fala mais alto que a verdade.

▪ A MÁQUINA E A HUMANIDADE
A máquina é construída por uma coalizão internacional. O primeiro candidato a embarcar nela sofre um atentado terrorista. E então, surge uma segunda máquina secreta, construída com financiamento de Hadden, um bilionário excêntrico e mentor não oficial de Ellie. Ela finalmente é escolhida como passageira.
A viagem que se segue é um dos momentos mais belos e enigmáticos da história do cinema. Ellie é lançada através de túneis cósmicos, vendo fenômenos inexplicáveis — e por fim, encontrando uma entidade que toma a forma de seu pai. A "mensagem" ali não é um dado técnico. É emocional.
Eles dizem: vocês deram um primeiro passo. Ainda são jovens. Mas não estão sozinhos.
Quando retorna à Terra, Ellie descobre que, para os observadores humanos, nenhuma viagem aconteceu. Para eles, ela caiu direto na água. Não houve movimento, não houve tempo. Não há provas. Apenas seu testemunho. Ela, a cientista cética, agora ocupa o papel da crente.

▪ O ENREDO COMO ESTRUTURA DIALÉTICA

O roteiro de Contato é uma dança entre opostos: ciência e fé, ceticismo e espiritualidade, razão e emoção. O arco de Ellie é construído de forma a confrontar essas contradições, não para resolvê-las, mas para reconciliá-las dentro de um mesmo ser humano.
No final, Ellie afirma com humildade: "Eu não tenho provas. Mas eu tive uma experiência."
É aqui que o filme fecha seu enredo com maestria. Não com respostas absolutas. Mas com uma ponte construída entre o que podemos medir... e o que só conseguimos sentir.
FILOSOFIA, CIÊNCIA E O SENTIDO DO DESCONHECIDO
Se o enredo de Contato já é uma experiência em si, o que pulsa por trás de cada cena é ainda maior: uma teia de ideias filosóficas e existenciais que gritam mais do que as palavras dos personagens. Carl Sagan não escreveu um thriller — ele escreveu uma parábola sobre quem somos diante do infinito.

▪ A CIÊNCIA COMO FÉ

Ellie representa o método científico em sua forma mais pura. Dúvida, evidência, lógica. Mas quando ela retorna da viagem — e ninguém acredita — ela se vê forçada a depender de algo que sempre rejeitou: a experiência subjetiva.
"Eu não tenho provas."
Essa frase, dita por uma cientista, é um soco nos dogmas dos dois lados: o religioso e o racional. Sagan nos pergunta: será que fé e razão são realmente opostos? Ou será que são expressões diferentes do mesmo impulso: entender o inexplicável?
▪ O SILÊNCIO DO UNIVERSO E O GRITO INTERIOR
O universo de Contato é vasto, escuro, mas não vazio. O que assusta Ellie não é o que ela encontra lá fora — é o que ela carrega dentro. O vazio existencial que nasceu com a perda do pai, com o abandono, com a solidão da criança que falava com o céu. A viagem estelar é só o último espelho.
A cena do encontro com a entidade (que toma a forma do pai) não é sobre aliens. É sobre aceitação. Sobre compreender que existem respostas que só podem ser sentidas.

▪ A POLÍTICA DA VERDADE
O filme também trata de como o conhecimento é manipulado. Ellie descobre o sinal, mas é descartada. O projeto é politizado, cooptado, sabotado. Um terrorista destrói a primeira máquina em nome de Deus. O segundo projeto só existe porque um bilionário decidiu bancar. Nada acontece sem interesses ocultos.
Isso é Sagan jogando na nossa cara: o problema não é a ciência. É o que fazemos com ela.
▪ A HUMANIDADE AINDA É CRIANÇA

A mensagem final dos alienígenas é comovente: "Vocês estão apenas começando. Isso é o que espécies inteligentes fazem: se comunicam."
É um tapa elegante na nossa arrogância. Nós que ainda brigamos por petróleo, religião e fronteiras, não estamos prontos para o universo. E talvez nunca estejamos se não aprendermos a olhar para o outro com empatia e curiosidade.
Carl Sagan não queria te entreter. Ele queria que você olhasse para o céu (coisa que faço desde pequeno kkkkkkkk)— e depois para dentro de si.
E Contato te obriga a fazer exatamente isso.
CURIOSIDADES, BASTIDORES E MENSAGENS ESCONDIDAS
Se você acha que Contato já te ganhou pelo enredo e pela filosofia, espera até descobrir o que rola por trás das câmeras e entre as linhas do roteiro. O filme é um caldeirão de decisões ousadas, acertos técnicos e ideias brilhantes que só fazem o impacto crescer quando você entende o contexto.
▪ CARL SAGAN ESCREVEU PARA SER UMA MULHER
Desde o início, o personagem principal seria uma mulher cientista. Carl Sagan queria subverter o clichê dos cientistas homens e velhos carecas e barbudos e dar protagonismo a uma figura feminina jovem, brilhante e emocionalmente complexa. E Ellie Arroway é exatamente isso.

▪ BASEADO EM CIÊNCIA REAL
O SETI existe. A estrela Vega é real. Os sinais com números primos como "linguagem universal" também são base científica sólida. O projeto da máquina é, em teoria, um buraco de minhoca — algo discutido em física teórica por nomes como Kip Thorne, o mesmo consultor de Interestelar.
▪ SOROS, BILIONÁRIOS E HADDDEN
O personagem S. R. Hadden é um bilionário excêntrico que vive no céu, flutua sobre as decisões dos governos e manipula o futuro de Ellie. Ele foi inspirado por figuras como Howard Hughe E George Soros, segundo teorias conspiratórias da época.
▪ A CENA DO ESPELHO
Lembra da cena da Ellie criança correndo escada acima até o armário dos remédios, onde a câmera faz um movimento impossível que termina no espelho? Aquilo foi feito SEM efeitos digitais. É um truque de montagem com três camadas de imagem perfeitamente alinhadas. Um dos maiores exemplos de direção técnica sutil e genial do cinema.

▪ O ALIEN DISFARÇADO DE PAI
O roteiro explica por que a entidade assume a forma do pai: "Queremos que você se sinta segura." Mas há especulações de que isso não foi só uma escolha emocional — foi também uma forma de evitar pânico cultural. Mostrar alienígenas de verdade poderia gerar rejeição.

▪ AS POLÊMICAS DE HITLER NA TRANSMISSÃO
A imagem de Hitler nas imagens iniciais do sinal gerou polêmica na época. Mas foi uma decisão factual: foi a primeira transmissão poderosa o suficiente para deixar a Terra. O filme não o glorifica — apenas aponta o fato.
▪ A GRAVAÇÃO INVISÍVEL

No final, Ellie retorna e dizem que nada foi registrado. Mas a gravação do equipamento registra 18 horas de estática — exatamente o tempo que ela passou "fora". É o indício sutil de que sua história é real, mas negada oficialmente. Um recado direto ao espectador: nem tudo o que é verdade será reconhecido.
E assim se fecha a jornada de análise de Contato. Um filme que começa com a pergunta mais antiga da humanidade... e termina dentro do silêncio mais íntimo do coração humano.
Escrito por:

Dart
Dart é sarcástico, culto, ousado, polímata, visionário, cético seletivo, apaixonado, provocador, criativo, irônico, intenso, questionador, filosófico, nerd, crítico, empático e conspiratório.

Joyce
Joyce é racional, sensível, cética, elegante, empática, metódica, crítica, inteligente, passional, culta, perfeccionista, ética, criativa, analítica, artística, lógica e curiosa.