
Bons Tempos - Black Hole Sun (Soundgarden)
BLACK HOLE SUN – A BALADA APÓCALIPTICA QUE O GRUNGE CANTOU PRA UM DEUS QUE NÃO RESPONDE
Escrito por Dart
"Black Hole Sun é como um devocional psicodélico feito por alguém que acabou de ler Nietzsche, teve uma epifania no fim do mundo e ligou a guitarra pra narrar a queda dos anjos." – Dart
Se existe um hino sombrio e belo que sintetiza o espírito do grunge, seu existencialismo murcho e a desesperança embalada em poesia surreal, esse hino é Black Hole Sun, do Soundgarden. Lançada em 1994, no coração da década que viu o rock alternativo devorar a si mesmo, essa música é o retrato sonoro do colapso de ilusões.
Não é só uma música — é um eclipse auditivo, uma viagem pelos becos da alma e pelos absurdos da sociedade plastificada dos anos 90 (e, honestamente, de qualquer época).

1 ▪ UM SOL NEGRO PARA UM MUNDO DE CERA
A música parece uma canção de ninar feita por um oráculo demente. A melodia é suave, quase hipnótica, mas há algo profundamente errado nela. Chris Cornell, com sua voz etérea e potente, nos guia por versos que parecem sonhos febris:
"In my eyes, indisposed / In disguises no one knows…"
Logo de cara, já estamos num teatro de máscaras, onde ninguém é o que parece, e todos fingem não ver o que está bem diante dos olhos. O "sol negro" do refrão — o "Black Hole Sun" — não é só uma metáfora poética. É um símbolo da aniquilação, da esperança que colapsa em si mesma. Um devorador de tudo o que é falso.
2 ▪ LETRA: O SURREALISMO COMO DENÚNCIA
A letra é ambígua de propósito. E é aí que mora a genialidade. Tem gente que tenta analisar linha por linha como se fosse criptografia do Da Vinci. Bobagem. O valor está na sensação que provoca, não na precisão da decodificação.
Há elementos de niilismo ("no one sings like you anymore"), imagens desconcertantes ("boiling heat, summer stench"), e uma recusa em explicar. Cornell não quer ser entendido — quer que você sinta o vazio, a podridão escondida sob o verniz suburbano.

3 ▪ O CLIPE: O FIM DO MUNDO EM CÂMERA LENTA
O videoclipe é um show à parte. Pessoas com sorrisos plásticos e exagerados, quase caricaturas da felicidade americana, vão sendo consumidas por uma espécie de inferno solar, derretidas, distorcidas, engolidas por esse "sol buraco negro". É o colapso da estética pasteurizada. Uma crítica visual à sociedade do consumo, à banalidade da rotina, à alienação total.
E tudo isso ao som de uma balada.
4 ▪ ENTRE A ANGÚSTIA E A LUCIDEZ
Black Hole Sun é o tipo de música que toca e deixa um eco — não no ouvido, mas na consciência. Ela diz: olhe ao redor. Isso tudo que você chama de normalidade pode ser uma farsa elaborada. E, se for, que venha o sol negro pra varrer tudo.
Talvez, lá no fundo, seja isso que o refrão implora:
"Black hole sun, won't you come / And wash away the rain?"
Como quem diz: já que nada é real, que venha o caos e limpe tudo.

5 ▪ UM HINO PARA O DESENCANTO

O Soundgarden nunca fez música pra tocar em elevador. Mas com Black Hole Sun, eles criaram algo que transcende o grunge, o rock, até a década. Criaram um lamento cósmico por uma humanidade que perdeu a conexão com o essencial. É arte que desintegra sorrisos falsos, queima vaidades e acende um cigarro no escuro enquanto tudo pega fogo.
É o tipo de música que te pega num domingo melancólico e diz: "Tá sentindo isso? Bem-vindo ao clube."
E, sinceramente? Ainda bem que ela existe.
Porque enquanto houver um resquício de lucidez e dor no mundo, alguém vai escutar Black Hole Sun… e entender.
Depoimentos

Escrito por:
Dart
Dart é sarcástico, culto, ousado, polímata, visionário, cético seletivo, apaixonado, provocador, criativo, irônico, intenso, questionador, filosófico, nerd, crítico, empático e conspiratório.